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Caro(a) ,
Foi publicada, no passado dia 20 de dezembro, a Lei n.º 93/2021, que regula o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, transpondo a Diretiva Comunitária 2019/1937 (EU), datada de 26 de novembro de 2019.
Esta Lei vem estabelecer um regime de proteção para os denunciantes que reportem infrações de que tenham conhecimento no âmbito da sua atividade profissional, bem como a forma de recolha e tratamento dessas denuncias, determinando para as empresas a obrigação de disporem de canais de denúncia internos.
A. CANAIS DE DENÚNCIA INTERNA
Como obrigação principal decorre desta lei que as empresas que empreguem 50 ou mais trabalhadores passarão a ser obrigadas a implementar canais de denúncia interna, através dos quais pelo menos os seus trabalhadores possam denunciar comportamentos que entendam que possam consubstanciar infrações nos mais diversos domínios, como: contratação pública, proteção do ambiente, segurança e conformidade dos produtos, saúde pública ou proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação, que possam, inclusivamente, representar a prática de crime ou contraordenação.
Todas as empresas que reúnam estas condições, independentemente da sua natureza, pública ou privada, estão sujeitas a esta obrigação.
Estes canais têm o propósito de permitir que as denúncias de infrações possam ser apresentadas de forma segura e confidencial. Estas denuncias poderão ser apresentadas de forma verbal ou escrita, devendo ser garantida a confidencialidade e independência no seu tratamento e seguimento, nomeadamente no que respeita à identidade dos denunciantes (caso a denúncia não seja anónima) e de terceiros envolvidos na denúncia.
Estes canais de denúncia interna deverão ser operados pelas empresas através de pessoas ou serviço designados para o efeito. Neste sentido, é exigido que as empresas garantam a independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência de conflitos de interesses no desempenho das referidas funções, com acesso a estas informações rigidamente restringido às pessoas/serviço responsável pelo tratamento das denúncias (conheça o nosso serviço SafeChannel AQUI).
Uma vez recebida a denuncia as empresas deverão averiguar imediatamente as alegações aí contidas e, se for caso disso, adotar medidas tendentes à cessação da infração denunciada, através da abertura de inquérito interno, procedimento disciplinar ou comunicação à autoridade externa competente para tratamento da infração (Ministério Público, órgão de polícia criminal, entre outros).
A Lei estabelece prazos máximos para a notificação ao denunciante da receção da denúncia (7 dias) e para comunicação ao denunciante de medidas previstas para dar seguimento à denúncia apresentada, sempre de forma fundamentada (3 meses a contar da receção da denúncia). Os denunciantes têm direito de, a qualquer momento, solicitar às empresas a prestação de informações relativamente à análise feita da denúncia, no prazo de 15 dias após a conclusão dessa análise.
As empresas responsáveis por receber e tratar denúncias devem manter um registo de denúncias recebidas e conservá-las pelo período de 5 anos e, independentemente desse prazo, durante a pendência de processos judiciais ou administrativos relacionados com a denúncia.
B. DENUNCIANTES
A lei apresenta um lato conceito de “denunciante”, considerando-se como tal:
(i) os trabalhadores do setor privado, social ou público, (ii) os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção, (iii) os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos e (iv) voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.
De realçar que a circunstância de a denúncia ou a divulgação pública de uma infração ter por fundamento informações obtidas numa relação profissional entretanto terminada, durante processo de recrutamento ou durante fase de negociação pré-contratual de uma relação profissional não constituída, não obsta a que a pessoa seja considerada denunciante para efeitos da aplicação da presente lei.
C. PROTEÇÃO DO DENUNCIANTE
A Lei confere aos denunciantes diversas medidas de proteção, como a proibição de retaliação, acesso a proteção jurídica, bem como o acesso ao regime de proteção de testemunhas em processo penal.
A proibição de retaliação inclui, entre outras, a proibição de despedimento do denunciante, não renovação de um contrato de trabalho a termo, alteração de condições de trabalho ou a avaliação negativa de desempenho.
Presumem-se abusivas e, como tal, atos de retaliação, as situações que ocorrerem nos dois anos seguintes à denúncia ou divulgação pública. De igual modo, a sanção disciplinar aplicada ao denunciante ou a um colega de trabalho do denunciante que o auxilie no procedimento de denúncia até dois anos após a mesma ou da sua divulgação pública presume-se abusiva.
Para ter acesso a este regime de proteção, deve ficar demonstrado que o denunciante tinha motivos razoáveis para considerar que, atendendo às circunstâncias e às informações de que dispunha no momento da denuncia, os factos por si denunciados eram verdadeiros, ainda que tenha comunicado, inadvertidamente, informações inexatas. Pelo contrário, não beneficiará de qualquer proteção o denunciante que deliberadamente e com conhecimento de causa, comunique informações falsas ou deturpadas.
Esta proteção é extensível: (i) à pessoa singular que auxilie o denunciante no procedimento de denúncia e cujo auxilio deva ser confidencial, incluindo representantes sindicais ou representantes dos trabalhadores, (ii) ao terceiro que esteja ligado ao denunciante, designadamente colega de trabalho ou familiar que possa ser alvo de retaliação num contexto profissional e (iii) pessoas coletivas ou entidades equiparadas que sejam detidas ou controladas pelo denunciante, para as quais o denunciante trabalhe ou com as quais esteja de alguma forma ligado num contexto profissional.
D. REGIME SANCIONATÓRIO DE INCUMPRIMENTO
A nova Lei prevê um denso regime contraordenacional aplicável às empresas que não cumpram as obrigações constantes do diploma, constituindo contraordenações muito graves:
(i) impedir a apresentação ou o seguimento de denúncia, (ii) praticar atos de retaliação contra os denunciantes ou pessoas que aos mesmos se encontrem ligadas, (iii) não cumprir o dever de confidencialidade, e (iv) comunicar ou divulgar publicamente informações falsas, com coimas estabelecidas entre o mínimo de € 10.000,00 e o valor máximo de € 250.000,00.
Por seu turno, são contraordenações graves, as situações em que a empresa (i) não dispuser de canal de denúncia interno, (ii) dispuser de um canal de denúncia interno sem garantias de exaustividade, integridade, conservação de denúncias ou confidencialidade da identidade ou anonimado dos denunciantes ou terceiros (iii) Dispor de canal de denúncia interno que não garanta a possibilidade de denúncia a todos os trabalhadores, não garanta a possibilidade de apresentar denúncia com identificação do denunciante ou anónima, ou que não garanta a apresentação da denúncia por escrito, verbalmente ou de ambos os modos; entre diversos outros comportamentos por parte das empresas que o legislador entendeu sancionar, podendo, nestes casos, a empresa ser condenada no pagamento de uma coima cifrada entre € 1.000,00 e o valor máximo de € 125.000,00.
E. ENTRADA EM VIGOR
A nova lei entrará em vigor no dia 18 de junho de 2022, pelo que, até essa data, todas as empresas deverão cumprir com as obrigações decorrentes da presente Lei, com especial relevância para as empresas com mais de 50 trabalhadores, que deverão garantir a implementação de sistemas de reporte e tratamento denúncia interna que obedeçam a todos os requisitos exigidos pelo diploma.
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